Cicinato e os Livros do Cangaço


Um livro, digamos, imprescindível, para quem acompanha a trajetória de Virgulino Ferreira é "Lampião em Mossoró", de Raimundo Nonato. Não se trata de romance, trabalho jornalístico ou ensaio específico sobre a passagem de Lampião pela cidade potiguar em meados de 1927. Mas é um livro riquíssimo, com certeza o que traz maior número de fontes sobre o episódio. Raimundo Nonato, um dos maiores escritores do Oeste potiguar, autor de excelentes obras sobre Jesuíno Brilhante e sobre a passagem da Coluna Prestes pelo município de São Miguel, publica trechos de jornais mossoroenses da época, depoimentos de bandoleiros, crônicas, relatórios, versos, informações de testemunhas, enfim, uma ampla variedade de informações que, juntas, compõem o melhor acervo sobre a intrigante passagem do Rei do Cangaço pelas terras do oeste potiguar. O próprio autor esclarece para o leitor: "Esta não é propriamente a história de Lampião [...]. O propósito real dessa publicação, outro não é senão, o de levantar do esquecimento, do pó dos arquivos e das páginas dos velhos jornais da época, o noticiário exato e a descrição minuciosa das cenas de vandalismo, praticadas pelo grupo de Virgulino Ferreira, na sua passagem pela Zona Oeste do Rio Grande do Norte".
Trecho significativo: (edição utilizada: sexta edição, Mossoró, Coleção Mossoroense, série C, volume 1489, 2005): "Esse tempo relâmpago, de menos de cem horas, tanto quanto levou o grupo de Lampião no Rio Grande do Norte, permitiu, contudo, à malta desenfreada percorrer um número de léguas quase inacreditável, pois cobriu, em viagem batida de quatro dias apenas, um percurso que anda perto de 400 quilômetros, com uma poderosa cavalaria de montada, apetrechos de guerra, prisioneiros, animais de muda e mais de 60 combatentes, poderosamente armados, para qualquer eventualidade.
Nesse itinerário de lutas, depredações e violências, coberto entre 10 e 13 de junho de 1927, o grupo sinistro deixou, da sua passagem uma crônica de horrores, de morticínio e de miséria. [...]



Livro escrito por um médico sergipano em 1933, ainda no calor da luta contra o cangaço. Ranulfo, já renomado escritor, fala da campanha das volantes e policiais contra os cangaceiros depois da Revolução de 1930. Escreve sobre as crueldades cometidas pelos cangaceiros em território sergipano, sobre a figura de Virgulino Ferreira da Silva e sobre o drama diário dos sertanejos diante da violência (da polícia e dos bandoleiros) e de problemas como a seca de 1932. O livro de Ranulfo Prata, cuja edição renovada teve a introdução de Antônio Amaury Correa de Araújo, teve grande repercussão nos turbulentos anos 1930 e, segundo depoimento, teve exemplar que chegou a ser conhecido pelo próprio Lampião.

Trecho significativo (Edição utilizada: Traço Editora, São Paulo, sem data): Sobre características de Lampião -

"Contando atualmente 33 anos, Virgulino Ferreira é cor de bronze-escuro, tem 1m,80 de altura, torso másculo, cabelos pretos, lisos e compridos, caídos sobre os ombros, feições duras, mas harmônicas, sem nenhum estgima físico de atavismo. Excelente dentadura. O olho direito, cego por um garrancho de jurema, lacrimeja constantemente, protegidos por óculos de aros de ouro. Membros inferiores adelgaçados e finos, em relação ao tronco. Pés secos, descarnados, entremostrando os tendões, enfiam-se em alpercatas, chuviscadas de ilhozes multicores. Os músculos das suas panturrilhas de andarilho repontam em relevo nutrido, como numa perfeita dissecação anatômica de anfiteatro.

O que mais impressiona no seu físico chocante são as mãos, são terríficas, expressivas, revelando um temperamento, uma vida. Extraordinariamente longas, no dorso, sobre um leque de tendões enrijados, dançam-lhe arabescos escuros de veias turgidas; recobre-lhe as palmas uma crosta áspera e acizentada como pele de batráquio; os dedos finos, ósseos, compridos, terminados em unhas córneas e ponteagudas, enegrecidas como equimoses, ostentam inúmeros anéis, falsos e verdadeiros. Mãos ferozes, convulsivas, astuciosas, brutais e ávidas. Parecem sempre febris, frementes, animadas de estranha vida como se cada músculo e cada nervo estivessem a receber continuamente a excitação de uma agulha elétrica.[...]" (pag. 26) 

Cicinato Ferreira Neto
cicinato.blogspot.com.br

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