Maria Bonita, Bela, Recatada e não do Lar Por:Raul Meneleu


A polêmica frase "Bela, recatada e 'do lar' nos diz que "...são palavras muito específicas e que objetificam as mulheres."A autora (1) dessa frase faz comentários e diz que BELA, simbolicamente, toda mulher tem de ser bonita. Esse valor é algo muito forte tanto na sociedade ocidental quanto na oriental. Não importa o que aconteça, mesmo que a mulher tenha acabado de ter um filho, tem de estar com a barriga sarada duas semanas depois. 

O recatada e o 'do lar' vêm de encontro ao 'bela' para formar a imagem de mulher perfeita, que sabe se colocar no lugar dela e é submissa ao marido. É aquela velha história de que atrás de um grande homem sempre há uma mulher. Essa escolha de palavras segundo ela, foi muito infeliz. "Não me espanta a repercussão negativa que o perfil teve, embora no Brasil, ainda exista aquela imagem de que uma mulher foi estuprada porque estava de roupa curta", arremata.

No feminismo, o que se prega é que cada mulher pode fazer o que quiser. Se quer parar de trabalhar para cuidar dos filhos? Ok. Se quer casar com um homem mais velho? Ok. "Ela tem direito de ser quem quiser, mas não se pode criar uma simbologia de que a mulher perfeita deve seguir esses parâmetros."


Em uma sociedade escravagista como a nossa sempre foi perfil da mulher ser uma senhora de engenho, bonita, escolhida para casar, recatada, pois era preciso ser do lar, pois era onde as mulheres ficavam limitadas nessa época. O livro Bonita Maria do Capitão (2) conta a história de mais uma mulher que se viu coagida por uma sociedade impositiva que fazia as mulheres serem "Belas, recatadas e preparadas para lar." - Maria Bonita preferiu sair do lar imposto pela sociedade, para fazer de seu lar, o mundo encantado do sertão.

Maria Bonita, mesmo sendo uma mulher pobre, não muito culta, e como quase todas as mulheres sertanejas daquela época, estava sendo preparada por seus pais para serem recatadas donas de casa, cuidar do marido e dos filhos. Mas algo aconteceu em sua vida que a retirou desse marasmo imposto por uma sociedade que olhava para as mulheres serem exclusivamente 'do lar'.

Mas essa Maria não se deixou dominar por isso e sem saber que passaria a ser famosa, "...abandona o anonimato para pertencer à história do mundo.""No caso de Maria Bonita é diferente. Essa "Maria fez de si a própria entrega para a história. Ela deixa de ser uma promessa e concretiza-se em senhora de seu destino ao tomar a decisão de abandonar sua família para viver ao lado do mítico cangaceiro Lampião. Essa Maria é a do Capitão."

Jose Tavares , Raul Meneleu e Petrucio Rodrigues em dia de Cariri Cangaço

Não sei por que Joaquim Góis, ex-volante em seu livro intitulado Lampião: O último cangaceiro, que teve a oportunidade de conhecer Maria Bonita em sua casa, onde morava com seu primeiro marido, resolveu descrever a aparência física dela antes dela ser a companheira de Lampião! Lógico que devemos entender que aqui se aplica o velho ditado que diz que “não existe gente feia” pois a beleza ou feiura estão nos “olhos” daquele que ver.

Mas segundo ele, ao entrar na tenda do sapateiro Zé de Nenê, com o propósito de fazer algumas encomendas, notou uma mulher acabrunhada e sem beleza e escreveu que "... ao seu lado uma cabocla apagada, rosto de linhas inseguras, olhar vago e fugidio, corpo solto no desalinho e no mau gosto de um vestido barato, de chita ordinária, marcado de cores berrantes, costurado à moda de como costuram as mulheres de fim de rua das cidades pequenas. Pés grandes, esparramados dentro de duas sandálias grosseiras, e rosto comprido, moles, desbotadas; mãos de unhas sujas, mãos pequenas, descuidadas; duas argolas vermelhas de ouro duvidoso caíam-lhe das orelhas; cabelo de um castanho fosco, penteados em um volumoso cocó, bem aprumado, um pouco acima da nuca; pescoço curto, queixo atrevido, boca carnuda escondendo desejos; lábios corados como uma fruta entreaberta, pedindo caricias; seios bambos, caídos; quadris batidos; pernas fortes, semblante sem a beleza de um sorriso meigo, quase duro na sua expressão [...]. De mulheres vulgares como Maria de Déa, está cheio este sertãozão de meu Deus"(GÓES, 1966, p. 212). 

Benjamim Abraão, responsável pelas principais fotografias de Maria Bonita

O que fez Góes mostrar uma pessoa que todos tinham como sendo uma bela mulher, dessa forma? Lembremos-nos que “não existe gente feia” e que talvez naquele momento em que Góis entrou no recinto, Maria estivesse abatida talvez por uma situação de constrangimento e cansada pela vivência com o sapateiro, em constantes discussões, tivesse relaxado na indumentária e no semblante.

Vemos e podemos assimilar, que essa palavras, talvez até um pouco desconfortáveis, foi a visão momentânea do autor. Tudo bem que as sertanejas se arrumavam bem melhor aos domingos de Missa ou festinhas de largo ou algum outro evento. Mas se me permitem eu digo que foi uma maldade muito grande de Góes, retratar Maria Déa dessa forma.

Em reportagem do Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, edição de 8 de abril de 1967 o jornalista Luis Carlos Rollemberg Dantas em reportagem sobre o livro de Góis, diz que além de "liquidar com as intenções de determinadas publicações que procuram mostrar Lampião como herói" também mostra "... Maria Bonita, figura transfigurada pela lenda, e restabelecida convincentemente na realidade" como se Góis retratasse Maria Bonita convincentemente como feia e desengonçada, e isso fosse a realidade. 

Para contrapor essa ideia vejam essa foto (acima) tirada enquanto Maria estava "no lar" - antes de entrar no cangaço. Uma bonita sertaneja com penteado simples e vestido comum, mas que realçava a beleza dessa mulher. Uma beleza que talvez não aparecesse em instantes de desconforto com a vida sem atrativos que levava. Segundo as autoras do livro Bonita Maria do Capitão, o "... que se pode crer é que ela apresentava uma aparência comum, sem atrativos físicos que a colocassem em algum patamar de beleza."

Raul Meneleu
Pesquisador, Aracaju-Sergipe
Conselheiro Cariri Cangaço

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