A Fundação de Nazaré Por:José Bezerra Lima Irmão


Por volta de 1917, o professor Domingos Soriano Lopes Ferraz, preocupado com a insegurança dos moradores da região com a guerra sem fim entre os Pereira e os Carvalho, os assaltos dos Pequenos, as incursões dos jagunços de Cassimiro Honório e dos desordeiros da Serra do Umã, resolveu formar um arraial em sua fazenda Algodões, na estrada dos romeiros, município de Floresta do Navio, na beira do Riacho da Ema.
A notícia espalhou-se. Amigos e parentes de Soriano gostaram da ideia. O próprio Soriano riscou as linhas da pracinha, marcando onde seriam construídas as duas fileiras de casas, ficando a capela numa cabeceira e sua casa de morada na outra. O padre Antônio Zacarias de Paiva, entusiasmado com a ideia, batizou a futura povoação com o nome de Nazaré. A padroeira seria Nossa Senhora das Dores. Depois a padroeira passou a ser Nossa Senhora da Saúde.


Graças ao prestígio do professor Domingos, muitos fazendeiros se comprometeram a construir casas no arruado, mesmo que só as utilizassem nos dias de feira e de missa. Os primeiros a aderir ao projeto de Soriano foram seu cunhado João Flor, Antônio Gomes Jurubeba, da fazenda Jenipapo, Pedro Tomás, da Lagoa do Mato, e Raimundo Nogueira, do Pico.

Dona Joaninha Ferreira (Joana Lopes, viúva de Ferreira Catendo), da Serra Vermelha, cunhada de um almocreve chamado José Ferreira, aceitou o convite do antigo professor de seus filhos e fez também sua casa em Nazaré, mudando-se para lá.

José Ferreira, em virtude de atritos de seus filhos com o filho de um vizinho, vendeu seu terreno na Serra Vermelha. José Ferreira não tinha interesse em morar no povoado em formação, pois do que ele precisava era um local para criar seus bichos. Em janeiro do ano seguinte, 1918, ao saber que um homem chamado Antônio Freire estava vendendo um pequeno sítio no Poço do Negro, a meia légua de Nazaré, José Ferreira mandou o cunhado Manoel Lopes dar uma olhada. Manoel Lopes viajou acompanhado dos três sobrinhos – Antônio, Livino e Virgulino. Os rapazes gostaram da propriedade. Manoel Lopes fechou negócio.

José Bezerra Lima Irmão e o Cariri Cangaço

A nova casa de José Ferreira no Poço do Negro ficava a meia légua de Nazaré, ao lado esquerdo da estrada velha que ia para Floresta. Embora Nazaré fosse município de Floresta, o Poço do Negro ficava no município de Vila Bela (atual Serra Telhada), pois o Riacho Grande ou Riacho da Ema, que separa os dois municípios, fazia uma volta à esquerda, logo abaixo do povoado, e o Poço do Negro ficava no outro lado do riacho. Era uma casa ampla, de tijolos crus, com 9 metros de frente por 10 de fundo, tendo um pé de umbu-cajá à frente. Ao lado direito da casa ficava o curral de pau a pique. Do mesmo lado, cinquenta metros mais abaixo, ficava a casa de Manoel Lopes, e mais adiante, o riacho. Dali se avistava, do lado do nascente, a bonita Serra do Pico, ponto de referência nas planuras cinzentas daquelas caatingas.

Domingos Soriano, homem instruído, cabo eleitoral de Ildefonso Ferraz, chefe político de Floresta, logo conseguiu um grande feito: tornou-se dono do cartório de registro civil de Nazaré.

Em 1923 Nazaré já possuía umas 40 casas, formando uma única rua, em forma de retângulo. Àquela altura, o almocreve José Ferreira, tendo-se mudado para Alagoas, já havia sido assassinado, e seus três filhos mais velhos, revoltados, tinham ingressado no bando de Sinhô Pereira. Um deles, Virgulino, era agora conhecido como Lampião.


O primeiro delegado de Nazaré foi João Lopes de Sousa Ferraz (João Lopes da Ilha Grande), irmão do professor Domingos Soriano. A feira era realizada às quartas-feiras debaixo de uma quixabeira, em frente à casa de dona Florisbela, da fazenda Olhões.

Dos fundadores de Nazaré, o homem de maiores posses era Antônio Gomes Jurubeba, conhecido como seu Gomes, dono da fazenda Jenipapo – por seu prestígio e coragem, era “o homem da terra”, a quem todos consultavam e obedeciam. Já dos que chegaram depois, considerados “forasteiros”, os mais abastados eram dona Joaninha Ferreira, tia de Lampião, e seus enteados Cândido Ferreira, Norberto Ferreira e João Ferreira Lima.

A feira local era realizada às quartas-feiras. Uma vez por mês, o vigário de Vila Bela vinha celebrar missa, batizar meninos e celebrar casamentos. Chegava sempre na terça-feira. Hospedava-se na casa de Antônio Gomes Jurubeba. Na quarta, depois da missa, voltava para Vila Bela.

A fundação de Nazaré, em 1917, é assinalada por um de seus filhos mais ilustres, João Gomes de Lira, em sua preciosa obra “Lampião: Memórias de um Soldado de Volante” (Recife: Fundarpe, 1990, p. 7/13).
Em 1939, em decorrência de um decreto desastrado do interventor federal Agamenon Magalhães, a legendária denominação do povoado foi mudada para Carqueja, renegando o profundo significado histórico do nome daquela povoação que serviu de berço aos bravos “Nazarenos” – os “Cabras de Nazaré”. Felizmente os moradores tiveram bom senso e exigiram que a povoação voltasse a ter a antiga denominação. Em 1990, mediante projeto do vereador Oscar Ferraz Filho, o povoado passou a denominar-se Nazaré do Pico.




Diferentemente do que ocorreram noutras localidades do sertão, em que muitos jovens se tornaram cangaceiros, em Nazaré praticamente todos os homens e rapazes ingressaram nas volantes. Os primeiros a alistar-se na polícia foram Arcôncio de Sousa Ferraz, Manoel de Sousa Neto (Manoel Neto), Antônio Capistrano de Sousa Ferraz, Odilon Nogueira de Sousa (Odilon Flor), Isaías Ferraz Nogueira, José Freire da Silva e Francisco Marques dos Santos (Chiquinho Marques). Em seguida, Davi Gomes Jurubeba, Pedro Gomes de Lira, João Domingos Ferraz e Ângelo Inácio da Silva (Ângelo Caboclo). A partir daí, perdeu-se a conta. Eram os chamados “Nazarenos”, ou “os Cabras de Nazaré”, inicialmente da volante do sargento Higino José Belarmino e mais tarde do famoso Manoel Neto. Calcula-se que mais de 100 filhos de Nazaré e arredores – irmãos, primos, todos aparentados – se dedicaram a perseguir Lampião.

Os nomes mais famosos são: Manoel Neto, Odilon Flor, Euclides Flor, Davi Jurubeba, Arcôncio, Afonso, Hercílio, Lero e Manoel Flor (Mané Tinindo). Morreram nas mãos de Lampião e seu bando mais de 20 nazarenos, dentre os quais Gabriel de Sousa (Bié), Olímpio Gomes Jurubeba, Inocêncio de Sousa Nogueira, José Alves de Sousa Ferraz, Idelfonso de Sousa Ferraz (Idelfonso Flor), Cândido de Sousa Ferraz, João Gregório Neto, Hercílio de Sousa Nogueira, Adalgísio de Sousa Nogueira e João Cavalcanti de Araújo (João de Anísia).

Paradoxalmente, o ódio dos nazarenos a Lampião tinha um viés dissimulado. Euclides Flor chorou quando Lampião morreu. E Manoel Jurubeba disse, consternado: “Morreu Lampião. Acabou-se a alegria do sertão”.


Por José Bezerra Lima Irmão
Autor de “Lampião – a Raposa das Caatingas”
Salvador, Bahia

Abertura dia 12 de Outubro de 2017
Praça do Batalhão de Floresta
Floresta, Pernambuco

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